Valor Econômico| Empresa pode deduzir pagamentos a administradores e conselheiros do IR
Decisão é da 1ª Turma do STJ e pode levar a uma corrida dos contribuintes ao Judiciário
Por Joice Bacelo — Do Rio
17/08/2022 05h00 Atualizado 17/08/2022
1 de 1 Regina Helena Costa: todos os custos e despesas operacionais são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda — Foto: Lucas Pricken
Regina Helena Costa: todos os custos e despesas operacionais são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda — Foto: Lucas Pricken
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as empresas podem deduzir do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) todos os pagamentos a administradores e conselheiros, e não só valores fixos e mensais. É a primeira vez que a Corte se posiciona sobre o tema e, com esse resultado, derruba uma regra antiga da Receita Federal.
Advogados dizem que pode haver uma corrida de contribuintes ao Judiciário. É que, mesmo não tendo efeito vinculante, a decisão, proferida ontem na 1ª Turma, pode dar força nos julgamentos de primeira e segunda instâncias, locais em que as empresas, até agora, não vinham tendo êxito.
Levantamento feito pelos advogados Luca Salvoni e Gabriel Baccarini, do escritório Cascione, mostra que pelo menos três Tribunais Regionais Federais (TRF) têm decisões contra as deduções: o da 3ª Região, em São Paulo, o da 4ª Região, em Porto Alegre, e o da 1ª Região, em Brasília.
“Um precedente como o do STJ reacende a discussão. Temos clientes que estavam só esperando o resultado desse julgamento para entrar com ação”, diz Salvoni.
Essa discussão afeta exclusivamente empresas que recolhem Imposto de Renda pelo regime do lucro real. São aquelas com faturamento acima de R$ 78 milhões por ano.
O tema foi analisado pela 1ª Turma por meio de um recurso apresentado pela Marcep S/A contra decisão do TRF da 3ª Região que impediu as deduções. Os desembargadores entenderam que só seria possível se os pagamentos aos administradores e conselheiros fossem fixos e mensais.
Eles levaram em conta a Instrução Normativa nº 93, publicada em 1997 pela Receita Federal. Essa norma dispõe sobre a apuração do IRPJ e da CSLL e impede as deduções, no artigo 31, quando os pagamentos não corresponderem à remuneração mensal fixa por prestação de serviço.
“Não é isso o que diz a legislação do Imposto de Renda. E nem é usual quando a gente pensa em conselheiros de administração e conselheiros fiscais. Normalmente a remuneração não é mensal. Pelo contrário. A remuneração é por reunião da qual ele participa. Então sequer faria sentido”, defendeu, perante os ministros, o advogado Ricardo Krakowiak, representante da empresa no caso.
O placar foi apertado: três ministros votaram a favor das deduções e dois se posicionaram contra. Prevaleceu o entendimento da relatora, a ministra Regina Helena Costa.
Ela já havia proferido voto em sessão do dia 3 de maio, quando o tema foi colocado em pauta pela primeira vez na turma. Ontem, ratificou o seu posicionamento e acrescentou mais algumas fundamentações.
Regina Helena Costa citou precedentes em que a Corte afirma que não se pode cobrar Imposto de Renda com fundamento apenas em norma infralegal. Situação que, segundo ela, se verifica nesse caso.
A ministra frisou, além disso, que todos os custos e despesas operacionais são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda nas apurações pelo regime do lucro real. Conceito que inclui os pagamentos a administradores e terceiros, mesmo que feitos de forma eventual. Tratam-se de despesas das empresas, não renda.
“A base de cálculo tem que guardar pertinência com aquilo que se pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos”, afirmou ao ratificar o seu voto.
Para a ministra, as deduções só poderiam ser proibidas se existisse uma lei com a previsão de impedimento. “Porque o que nós temos aqui é que aquilo que foge da hipótese de incidência, escapa da tributação”, concluiu.
O ministro Gurgel de Faria, que estava com vista do caso e abriu as discussões na tarde de ontem, discordou do entendimento da relatora. Ele entende que a IN nº 93, de 1997, está em linha com o Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, que, na sua visão, permanece vigente.
O ministro Sérgio Kukina acompanhou a divergência. Já os ministros Benedito Gonçalves e Manoel Erhardt entenderam da mesma forma da relatora e formaram maioria, dando a vitória ao contribuinte (REsp 1746268).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ainda pode apresentar embargos de declaração – que serve somente para esclarecer omissões, dúvidas e obscuridades do acórdão. Não tem efeito de revisão do mérito.
É pouco provável, além disso, que consiga levar o tema a julgamento na 1ª Seção, pelo fato de ainda não haver entendimento divergente nas turmas de direito público – a 1ª e a 2ª. Essa é a primeira decisão que se tem na Corte.
Um outro caminho pode ser o Supremo Tribunal Federal (STF). A reportagem apurou que os procuradores vão tentar prequestionar matéria constitucional.
Essa discussão, portanto, não está encerrada. E existe um outro ponto de atenção: a possibilidade de os valores pagos a administradores e conselheiros serem incluídos na base de cálculo do INSS.
“A previdência incide sobre o valor que é pago de pró-labore. A empresa recolhe 20% sobre o valor da remuneração fixa e mensal”, diz Edemir Marques de Oliveira, sócio do escritório Marques Oliveira Advogados. “Agora, com essa decisão do STJ, a remuneração variável também passa a ser considerada pró-labore se a empresa deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda e passa a ser incluída na base de cálculo do INSS”, acrescenta.